Evandro de Castro Bastos[1]
Ao iniciarmos o nosso artigo vamos nos utilizar dos ensinamentos do Professor José Afonso da Silva que foi um dos precursores no estudo do direito urbanístico no direito brasileiro. Ensina o Mestre que “O direito urbanístico é uma nova disciplina jurídica em franca evolução. O qualificativo “urbanístico” indica a realidade sobre a qual esse Direito incide: o urbanismo – palavra que vem do Latim urbs, que significa “cidade”. O conceito de “urbanismo” é, portanto, estreitamente ligado à cidade e às necessidades conexas com o estabelecimento humano na cidade”[2].
Na toada dessa conexão, pretendemos com este artigo tratar da mobilidade urbana em algumas Cidades ao redor do mundo.
A mobilidade urbana é assunto que está na ordem do dia no mundo todo. Os especialistas aqui e acolá discutem como melhorá-la. Conforme menciona Paulo Ruy Valim Carnelli, “Mais de 75% dos brasileiros residem hoje em áreas urbanas, nas quais a grande maioria das pessoas depende do transporte coletivo para deslocar-se”[3].
No Brasil temos o Estatuto da Mobilidade Urbana, Lei Nacional n. 12.587, publicada em 2012. Em 2013 tivemos as maiores manifestações de nossa história, quando milhões de pessoas foram às ruas pleiteando por mudanças, e essas manifestações começaram em São Paulo a partir de reivindicações do movimento estudantil contra a carestia do transporte público.
Estávamos às vésperas da Copa do Mundo que seria realizada em 2014 e também do pleito presidencial de 2014.
A Copa do Mundo, disputada em diversos Estados brasileiros e também as Olimpíadas de 2016, disputada no Rio de Janeiro, trouxeram para o Brasil novos equipamentos na área do transporte coletivo urbano e também a construção de novas ciclovias, bem como a implementação do compartilhamento do uso de bicicletas com a sua disponibilização em equipamentos públicos.
Podemos destacar alguns deles, no que diz respeito ao transporte coletivo, tais como o VLT (veículo leve sobre trilho), no Rio de Janeiro, a expansão do Metrô, também no Rio de Janeiro, até a Barra da Tijuca. A implementação do BRT (Bus Rapid Transit) no Rio de Janeiro a partir do Aeroporto do Galeão, a implementação do BRT em Belo Horizonte. A linha de metrô para Itaquera em São Paulo. A linha de trem/metrô de Recife até o Município de São Lourenço da Mata, na região metropolitana do Recife. O Trem aéreo a partir do aeroporto de Porto Alegre, etc. Cite-se em relação à utilização em maior escala das bicicletas, programas como o Bike Rio, etc.
Como já explicitamos acima, não vamos tratar neste artigo somente do Transporte Coletivo, mas também de outras formas de mobilidade urbana que não somente por meio de transporte coletivo e/ou motorizado.
Também estão inseridos no conceito de mobilidade urbana, a melhoria das calçadas, a construção de passarelas, as ciclovias, ciclofaixas, etc.
Ainda que poucos, esses foram alguns dos legados físicos deixados pelos eventos esportivos acima mencionados.
Mas, antes de tratarmos de outras experiências positivas existentes no Brasil e no Mundo, vamos viajar um pouco através do tempo.
Comecemos pelo passado.
As escadarias existentes no Centro de Vitória, Capital do Estado do Espírito Santo, são eloquentes exemplos de preocupação com a mobilidade urbana, ainda que, à época, sequer conhecêssemos tal expressão. Diversas escadarias foram construídas no Centro de Vitória para permitir um melhor acesso dos pedestres entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta. A citar, as escadarias Maria Ortiz, São Diogo, Bárbara Lindemberg, dentre outras.
Saltemos agora para o futuro.
Na nossa infância víamos na TV o desenho animado “Os Jetsons”. No desenho as pessoas utilizavam como meio de transporte aeronaves, como se fossem carros voadores.
Os Jetsons estrearam na TV há mais de cinquenta anos, mais precisamente, em 1962.
A estória dos Jetsons se passa no ano de 2062, portanto, faltam-nos, ainda, mais de quatro décadas para atingirmos tal ano. Mas, podemos imaginar e viajar no tempo, será que teremos um mundo assim? A mobilidade urbana veicular se pautará por veículos voadores? As vias físicas urbanas serão destinadas somente para os pedestres e ciclistas? Ou também os pedestres usarão bolsas ejetoras e as bicicletas também serão voadoras? Diversos estudos estão em andamento no sentido de desenvolver trem bala a mais de 500 km/h, transporte de passageiros em cápsulas a mais de 1200 km/h, etc).
Difíceis estas respostas, mas creio que devemos nos ater, por ora, ao que temos hoje em termos de transporte público já em funcionamento e perspectivas de novos modelos em um período de tempo menor, em torno de uma década.
No Brasil, conforme mencionamos acima, temos a Lei da Mobilidade Urbana. Esta lei dispõe que temos os meios de transporte motorizados e não-motorizados.
No início dos tempos o ser humano somente tinha como meio de locomoção as próprias pernas (sem esquecermos que na evolução humana o caminhar se auxiliava também dos braços).
Posteriormente o ser humano passou a utilizar os animais como meio de locomoção.
Um grande salto para a humanidade em termos de meio de transporte foi a criação da roda. Tal invenção foi um dos maiores feitos da humanidade, senão o maior. Até hoje em dia se usa a expressão – invenção da roda – para designar tudo o que seja realmente inovador.
Tivemos as rodas auxiliando a construção (o transporte de pedras) das pirâmides no Egito Antigo. Foi a roda que permitiu o deslocamento de grandes contingentes na construção do império de Gengis Khan e da expansão do Império Romano.
A roda permitiu, pois, grandes deslocamentos de pessoas e também de bens e equipamentos.
A roda, como meio de transporte, está presente hoje desde o transporte individual quanto no de grande contingente de pessoas.
A roda está no monociclo, na bicicleta, na motocicleta, no skate, no patins, no segway, no patinete, no automóvel, no ônibus, no trem, no avião (ou pelo menos na maior parte deles, sendo imprescindível na decolagem e pouso), etc.
Em uma Cidade ideal teríamos a conjugação de mobilidade pelas calçadas ou vias exclusivas para pedestres suspensas, ciclovias/ciclofaixas (também para os meios de transporte alternativos como skates, patins, patinetes, segways, etc), metrô, trem, ônibus, VLT, BRT, aquaviário e numa menor parcela a utilização das vias também por motocicletas e automóveis.
Temos visto pelo mundo belos exemplos de Cidades que tem adotado múltiplas opções de transporte. Chamou-nos a atenção alguns modelos, como o de Las Vegas, EUA. Las Vegas adotou em sua principal via de circulação calçadas suspensas, verdadeiras passarelas por toda a Avenue Strip. Estas calçadas suspensas permitem que o pedestre ande por toda a avenida que tem mais de sete quilômetros, passando por dezenas de quarteirões, sem necessidade de descer para a rua, portanto sem se expor ao perigo do tráfego dos veículos e também com grande economia de tempo, pois não há a necessidade de semáforo para os pedestres. Outra interessante intervenção urbanística em Las Vegas, é o trem suspenso, o Monorail. É utilizado um monotrilho suspenso, que ocupa pequeno espaço aéreo e circula por mais de seis quilômetros nos dois sentidos da Avenue Strip. Todas essas duas soluções urbanísticas são intensamente utilizadas e evitam a circulação de milhares de veículos no já congestionado trânsito da Avenue Strip.
Em Nova Iorque, EUA, também foi adotado o modelo de calçada/passarela suspensa. A ideia foi tão bem aceita em Nova Iorque que muitos consideram o High Line um verdadeiro parque suspenso. O High Line, essa enorme passarela suspensa, abarca 21 (vinte e uma) ruas, por aproximadamente 2,5km. Tal intervenção urbana permite, portanto que o pedestre circule por uma área significativa de Manhattan sem precisar descer para as vias de circulação de veículos. O High Line deu tão certo que virou atração turística, sendo uma das mais visitadas da Cidade. Para a implementação do High Line foi utilizada uma área que passava uma via férrea há muito abandonada. Com a sua instalação ocorreu uma verdadeira revitalização em torno de toda a sua área.
O High Line tem servido de inspiração para diversas Cidades no mundo. No Brasil, em São Paulo, onde está instalado o viaduto do Minhocão a comunidade tem discutido qual o melhor destino a ser dado a esse equipamento público, se continua como uma via para veículos motorizados ou se passa a ser uma grande ciclovia acoplada com áreas de lazer.
Em Melbourne, Austrália, há uma linha gratuita de bondinho que circula pela região central da Cidade (o Circle City). Essa linha facilita muito a locomoção das pessoas por uma extensa área central e estimula a população a não ir de veículo próprio para a área central da Cidade.
Em Lisboa, Portugal, as linhas de bondinho são famosas e muito utilizadas não só pelos turistas, mas principalmente pela população local. Os bondinhos em Lisboa efetivamente integram o modelo de mobilidade urbana, também integrada pelo metrô, trens para as Cidades vizinhas, etc. O sistema aquaviário (composto de balsas) também é muito utilizado, ligando os dois lados do Rio Tejo.
Curitiba foi a primeira Cidade brasileira, ainda na década de década de 70, do século passado, a implementar um sistema extremamente funcional de transporte coletivo por meio de ônibus. Adotou vias expressas exclusivas para os ônibus e reduziu consideravelmente o tempo de viagem, deslocamento dos passageiros.
Esse modelo de Curitiba foi implementado também em Bogotá, na Colômbia, há mais de dez anos. Bogotá também adotou como modal de transporte, a bicicleta. Foram construídas por toda a Cidade extensas ciclovias e também operadas muitas ciclofaixas.
Em Bogotá não há metrô, mas em Medellín adotou-se o metrô. Os especialistas no tema mobilidade urbana são unânimes em afirmar que o melhor modelo para o transporte de grande contingente populacional é o metrô. Mas é sabido que o metrô tem um enorme custo para a sua implementação. O BRT surge então como uma alternativa mais acessível para a implementação de um modal de transporte coletivo que incentive a não utilização do veículo individual.
O BRT em Bogotá foi implementado na gestão anterior do Prefeito Enrique Peñalosa. Certa feita Peñalosa averbou que o BRT era a consagração da supremacia do interesse coletivo sobre o interesse individual. Bogotá com o seu sistema de transporte coletivo conseguiu efetivamente que os tempos nas viagens de ônibus fossem menores que os tempos gastos de veículo individual.
Conforme mencionamos Medellín, Colômbia, adotou como modelo principal de transporte coletivo o metrô e, complementarmente, adotou um modelo inovador de transporte de um grande contingente de pessoas. Adotou o que conhecemos aqui como teleférico. Os teleféricos lá instalados interligam mais de dez quilômetros da Cidade. O Metrocable (teleférico) já está em funcionamento há quase 13 anos e transporta milhares de pessoas por dia. A cidade do Rio de Janeiro copiou esse modelo, e implementou o conhecido teleférico do Alemão em 2011, que chegou a transportar mais de 30 mil pessoas por dia. Atualmente não se encontra em funcionamento por problemas operacionais. Esse modelo de transporte facilita a mobilidade de pessoas com deficiência, pessoas estas que têm sido historicamente relegadas ao esquecimento pelas políticas públicas.[4]
Belo Horizonte, também tem expandido a sua rede de BRT desde os preparativos para a Copa do Mundo que foi realizada no Brasil em 2014.
São Paulo não adotou o modelo de BRT, mas tem centenas de quilômetros de pistas exclusivas para os ônibus (permite-se também os táxis). São Paulo se utiliza também das linhas de metrô que são intensamente utilizadas por sua população. Infelizmente São Paulo não tem até os dias atuais linha de metrô a partir de seus principais aeroportos (Congonhas, localizado no Município de São Paulo) e Cumbica (localizado no Município de Guarulhos), o que dificulta em muito a mobilidade urbana.
Em Londres é possível ao cidadão se deslocar a partir do aeroporto de Heathrow de metrô comum, metrô mais sofisticado, ônibus, etc.
Londres também tem incentivado (inclusive sinalizando, as pistas, nos locais em que estão instalados os semáforos, a preferência de largada, para as bicicletas, antes dos veículos motorizados) o uso das bicicletas com uma extensa área de ciclovia/ciclofaixa.
Paris também têm desenvolvido projetos no intuito de incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte diário, mesmo tendo uma extensa área coberta por linhas de metrô, assim como Londres.
A Alemanha é considerada a nação que tem a melhor rede de transporte coletivo no mundo. Frankfurt é exemplar neste sentido e é sempre elogiada pelos seus visitantes e moradores no quesito transporte coletivo.
A Holanda e a Dinamarca são belos exemplos na Europa de utilização da bicicleta como meio de transporte. Em torno de cinquenta por cento do transporte de pessoas em Copenhague e Amsterdã é realizado em bicicletas.
No Brasil ainda estamos bastante atrasados no quesito mobilidade urbana, ainda que tenhamos, conforme já mencionamos alguns bons exemplos. Cabe aqui ressaltar o exemplo da Cidade do Rio de Janeiro e algumas Cidades do seu entorno. Antes da Copa do Mundo de 2014 já havia a utilização de linhas de ônibus, metrô, balsas, e também de linhas férreas como principais meios de transporte coletivo de passageiros. Com o advento da Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016, o Rio de Janeiro conseguiu incrementar esses modais com a ampliação da rede de metrô, e a implantação do BRT e do VLT que ligará a balsa, aeroporto Santos Dumont, a Central do Brasil (trem urbano/interurbano que parte para diversos pontos e cidades vizinhas) e a Rodoviária Central. Algumas dessas interligações já estão em funcionamento diário.
A África do Sul também aproveitou o fato de sediar a Copa do Mundo de 2010 e construiu uma via férrea rápida interligando o seu aeroporto internacional de Johanesburgo a diversos pontos da Cidade e até Pretória.
Em Vitória já sonhamos com o metrô de superfície, que infelizmente ficou somente na propaganda eleitoral. Diversas Cidades pelo mundo efetivamente implementaram o metrô de superfície, tais como Barcelona (em Barcelona é extremamente interessante a integração entre o metrô, metrô de superfície, ônibus, bicicleta) San Diego, Milão, Edimburgo, etc.
Também estamos a sonhar na Grande Vitória com a implementação do BRT divulgado em peças publicitárias do Governo Estadual já há alguns anos.
A Prefeitura de Vitória tem anunciado a implementação de uma barca/catamarã que interligará a praça do papa à prainha em Vila Velha, que poderá se tornar uma real opção para a melhoria da mobilidade urbana (inclusive com opção de transporte de bicicletas). Vancouver, Canadá, adota em todos os seus ônibus urbanos encaixes para o transporte de bicicletas. Cardiff, capital do País de Gales, tem um interessante sistema de pequenas lanchas (que poderiam ser utilizadas também em Vitória/Vila Velha/Cariacica, pois sendo de pequeno porte passariam por baixo de todas as pontes da ilha de Vitória) para o transporte de passageiros para a Rodoviária, Prainha, Polícia Federal, Sambão do Povo, ilha das Caieiras, Ufes, Beira-Mar, Praia do Canto, etc.
As principais opções que hoje temos em Vitória/Grande Vitória, em termos de mobilidade urbana, são as mesmas que tínhamos há mais de duas décadas/três décadas que foram a criação do Sistema Transcol, que interligou o sistema de ônibus de diversos Municípios, e a construção da Terceira Ponte que facilitou o acesso entre os Municípios de Vitória e Vila Velha.
Ainda que de forma incipiente, em termos de utilização alternativa relevante numericamente, vale destacar a instalação do sistema de uso de bicicletas compartilhadas em Vitória, o Bike Vitória. Com a ampliação de ciclovias e ciclofaixas por toda a ilha e também a sua extensão para os Municípios vizinhos, poderá passar a ser efetivamente relevante o número de trabalhadores que passarão a usar esse modal de transporte.
BIBLIOGRAFIA
BASTOS, Evandro de Castro e BORGES JUNIOR, Odilon (coord.). Novos rumos da autonomia municipal. São Paulo: Max Limonad, 2000.
FEIJÓ, Alexsandro Rahbani Aragão. As leis do orçamento como instrumento técnico-financeiro de controle para efetivação de políticas públicas de acessibilidade. Belo Horizonte: Arraes, 2013.
LA FARGE, Annik. On the High Line. New York: Thames & Hudson, 2014.
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995.